Páginas

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

2° LUGAR - CONTOS - TÁ CAINDO FULÔ...DO CÉU TÁ CAINDO FULÔ


TÁ CAINDO FULÔ...DO CÉU TÁ CAINDO FULÔ
Maria Helena da Silva Campos Cruz


    Era um dia sombrio. Cinza.
    Eu com a dificuldade em caminhar pedi que me levassem até lá em cima, no Cemitério de Carneirinhos para um último adeus a uma pessoa que era um verdadeiro Patrimônio em nossa cidade que era Dona Tereza do Congado.
Coloquei-me à frente do portão e fiquei junto com outras pessoas aguardando a chegada do cortejo.
    Cheguei aqui, em Monlevade, em junho de 1976. Por vezes me sentia, por estar tão longe de minha família: abandonada, desanimada, perseguida, amuada ou humilhada em meu trabalho e uma vez me aconselharam a procurar por Dona Tereza para ela rezar para mim. Eu ia eu meio que acreditando/desacreditando. Só sei que saia de lá mais mais leve e restaurada. Sua casa me parecia um lugar muito especial, único. Quando pequenininha em São Mateus/ES tive a oportunidade de conhecer algumas pessoas maravilhosas que rezavam meus irmãos menores e, por vezes, à madrugada acordávamos com os tambores tocando, meu pai dizia que era Caxambu, desde então, isso me fascinava.
    Fiquei encantada quando vi um grupo de congado, pela primeira vez, indo para a igreja celebrar a festa de Nossa Senhora do Rosário.
    Sempre, portanto, admirei a cultura Africana com seus mistérios, tradições e rituais.
    O Congado era uma forma de respeitar e me reconhecer na maravilha dos espelhos, fitas, espadas, fardas, nas coroas de reis e rainhas, nas músicas e danças que mexiam com meus olhos e me levavam a viajar por mundos paralelos sem vontade de voltar. Estava envolvida com minhas lembranças e devaneios quando alguém me alertou. E apontando na Avenida Getúlio Vargas, na contramão, completamente tomada pelo congado, acredito que cerca de três grupos, evoluíam em homenagem à Rainha que retornava ao jardim das delícias. Descrever o que senti, impossível. À medida que o cortejo se aproximava as lágrimas suaves num misto de tristeza, transcedência, elevação, sabe lá, ia tomando conta de mim, que me envolvia cada vez mais com os sons e movimentos, parecendo que meu coração acompanhava o ritmo que se assenhoreava de mim.
    Desde o comércio do "Pedro Machado" já se entendia o que cantavam " Tá caindo Fulô"...
    O cortejo chegou com centenas de pessoas. O céu permanecia nublado e fazia um pouco de calor.
    Na entrada do cemitério, como de costume, a urna foi depositada e aberta para um derradeiro adeus. Aí aconteceu algo que poucos perceberam e que a mim me marcou para sempre.
    "A Guarda de Marujos (marujada) cantava e dançava:
                                           Tá caindo fulô, eh eh
                                           Tá caindo fulo, eh ah
                                           Lá do céu, cai na terra, eh
                                           Tá caindo fulô."
    Por um instante singular as nuvens se abriram, só uma brechinha de nada e deixaram escapar, timidamente, um raio de luz que repousou sobre o rosto de dona Tereza, a emoção que eu já sentia, explodiu!
    Confesso que chorei.
    Chorei como gente grande, com soluços e tudo a ponto de ser consolada.
    A música continuava:
                                     " Tá caindo fulo, eh eh
                                       Tá caindo fulo, eh ah
                     Lá do céu, cai na terra, eh
                     Tá caindo fulo"...

Nenhum comentário:

Postar um comentário