Páginas

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011




Menção Honrosa
Categoria Poesia

Monlevade em mãos de artista

_ Podes, então, artesão amigo,
teceres um tapete de seda ou de corda
retratando, nele, a tua Terra Natal?

Nem imaginas o quanto me alegras
Com o teu sim, a tua arte e, também,
Com tamanha disposição...

Não que eu queira podar a tua criatividade,
Mas sugiro que nele teças alguns detalhes:
Inicia pela Igreja São José Operário
e aquela mata em seu entorno!
Sei que sabes – consumirás todo o teu estoque de linhas verdes.
(Reponho-as, se precisares delas mais tarde!)

Não te esqueças das casinhas dos operários,
Nosso presépio já consagrado e reconhecido em toda a região!

Enriquece-o, também, com leves toques de tuas artistas mãos,
Com silhuetas dos operários na lida e no ir e vir à fábrica, antiga Belog-Mineira.
Repica, em torno dessa mesma localidade, figuras femininas com seus balaios de
verduras equilibrados sobre as cabeças, humildes verdureiras; também crianças antigas
de pé no chão, “os boieiros”.
Alguns poucos elegantes homens de terno e gravata, estrangeiros, a conversarem e,
vez ou outra, confirma, em teus traços, as baforadas que soltavam com teus finos (e caros) charutos.

Retrata o Cassino movido por tuas lembranças mais íntimas e poéticas.
Esboça o Colégio de Tábuas e outras miragens inesquecíveis daquela época.
(O que surgir de agradável em tua imaginação!)

Não permitas, gentil artesão, que teus dedos se firam no manuseio que milhões de
vezes farás com a tua ferramenta de trabalho: a agulha...
senão, a cor vibrante do sangue no tapete derramado, entristecerá tua arte.
(Desta vez, pelo menos desta vez, não queremos tristeza numa obra-prima).

Continua a tecer, sem esqueceres dos pombos e dos verdeados lagartos e aranhas dos
muros de pedras, das imponentes palmeiras imperiais da Fazenda Solar e todos os detalhes visíveis à sensibilidade de teu olhar!

Vai, artesão, construindo o que sentes, imprimindo em teu tapete o que nesta terra
já viveste intensamente.
Amarra teus sonhos nas casas geminadas de quintais com árvores copadas que se debruçam entre os rios.
Corrige as ruas calçadas de pedras que lembram tantos amores e, reforça
tuas pegadas em tuas lembranças, nas paisagens reais que, ainda, podem compor o
cenário monlevadense.

Anda como sempre e sorria com tua simplicidade estampada no rosto.
Mantém teus cabelos cacheados e longos, sempre despreocupados com pentes e
tesouras! Tuas marcas são próprias de artistas na essência da vida.

Teu ser é atemporal, tua presença, um gesto natural das mãos divinas!
Ah, não te esqueças dos carneirinhos vistos por quase todos da cidade,
no alto daqueles morros na outra parte da cidade...tão alvinhos, tão trabalhadores...
(Quero mirá-los na tua tela-tapete, acompanhá-los na subida e descida do mato.)
Sei que tens especial predileção pelas crianças.
Então, salpica-as em todos os buraquinhos que, por ventura,
Encontrares em teu tapete, serão as crianças do Grupo Monlevadense e de hoje.

O arremate final, querido artesão,
Ficará, também, por tua conta.
Porém, se quiseres, doar-te-ei a minha caixinha de trequinhos mágicos.
Nela, encontrarás fios largos, nenhum estreito, de felicidade, lacinhos de ternura, fitas de pureza e recortes de tecidos que, um dia, foram vestimentas do amor.
Confesso-te que tudo isso, guardado nessa caixinha, foram presentinhos que
ganhei dos anjos dessa cidade, com os quais convivi e ainda convivo.

Peço-te que, se sobrevoares sentado em teu tapete em nossa João Monlevade, leva-me
contigo e, quando estivermos bem alto, creio que eu não abrirei os olhos, tenho vertigens.
Então, contempla os Rios Piracicaba e Santa Bárbara, a Serra do Seara e tantos outros lugares de que agora não me lembro...
Faze isso por mim e sentirei saudades das paisagens aéreas que não
vi voo do tapete bordado de uma cidade!

Ah, e quando aterrissares... oh, fico feliz com o que me revelas!
O fundo do tapete se libertará de uma película, que o tornará autocolante.
Dessa forma, encravar-se-á no chão dessa terra e, dela, fará parte como um
asfalto cultural permanente, desses que expressam o sonho e a beleza
de um povo sensível, cuja história traduz-se em trabalho e se é registrada
pela inspiração da arte, seja no entrelaçar de linhas de um anônimo artesão,
que tece à luz de tuas lembranças, da prosa com o conterrâneo ou antigo morador
e das imagens coloridas, cobertas de sorrisos oriundas
da tua Terra Natal: João Monlevade!





 Menção Honrosa
Categoria Poesia

Nostalgia
Rita de Cássia Abreu e Silva

Agora só me restam as lembranças
De um tempo mágico, fagueiro
Onde eu podia deslizar
Sem receio, no universo
Afinal, sempre e sempre, lá estava ela

Naveguei por muitos anos
Nas ondas de seus seios
Que acolhiam, envolviam e embalavam
O corpo meu, os sonhos meus, os dedos meus...
E com sua voz transformava-os em canção
Dando um concerto para saudar o arco-íris

Mas de repente, ela se foi
Levando consigo um ramo de sol
Dentro da noite fria
E o manto estrelado da natureza
Comemorou sua presença, sua beleza

Hoje sei de todas as importâncias da vida que
Cabem dentro do ser
Porque com ela, simplesmente aprendi.
A ternura oceânica do seu olhar me guia por todos
os horizontes,
Sua sabedoria imensurável deixo brilhar distraída
Também no meu rosto
Suas delicadezas secretas quero ver explodir
Por todos os anos que a vida me brindar

Por isso vou assim no meu caminho... tão apenas andando
É que agora só me restam as lembranças
De um tempo mágico, fagueiro...




Poesia classificada em 1º Lugar no II Concurso Literário 
                      "Prêmio Valores da Nossa Gente".

 Como ler um rio dentro da cidade original
Geraldo Magela Ferreira


joão cabral de melo neto
Se tivesse visto o piracicaba
imaginaria "um cão sem plumas”?

  
todo rio faz
uma releitura
lenta
digestiva
das geografias
que assimila

nenhum rio escolhe uma cidade
elas se erguem
à revelia
invadem margens
violam a água

a cidade surgiu
do ferro e fogo
com esse rio
nas entranhas
serpente de fúria
e calmaria

durante as cheias
lambia casas
devorava incautos
depois acalmava-se
numa sonolenta
vigília surda

a calda do rio
como o corpo
dos homens
absorveu o aço
seus fluídos
seu ácido

as águas rubras
semimortas
não sentiram
o corpo urbano
indócil
expandir-se

na margem virtual
da cidade outra
lia-se o rio como morto
sem traduzir seus
ritos e tragédias
ou deduzir seu esgoto

mas o rio seguia
a sua escrita
selvagem
pouco denso
menos químico
mas indivisível

enquanto a memória
sonâmbula
esquecia o rio
emparedado
na releitura eterna
da cidade original.







Poesia classificada em 2º Lugar no II Concurso Literário 

"Prêmio Valores da Nossa Gente".


Todas as noites
Jacqueline Silvério Fernandes

Todas as noites, adorno-me de teus braços.
E enquanto tuas mãos passeiam por minha alma,
Fecho os olhos de minhas antigas lembranças
E permito-me o tecer em tempo de tua doçura em mim.
Quero que me despertes os versos perdidos
E que a tua suavidade atinja a Luz do meu destino
E eu possa, enfim, exalar o perfume desse canto
Ainda em mim acortinado de invernos assombros.
Todas as noites, quero florescer em tua boca.
Não para roubar-te o sangue, o fogo, as asas em vôo,
Mas para seduzir-te o coração ainda incerto de mim,
Ainda temente de adeus e de morte.
Sim! Ainda sou esse poeta errante.
Ainda em mim o grito velado, o peito em combates,
A vida recolhida em crepúsculos de melancolia.
Ainda em mim esse solstício de amor, de amar...
Sim! Ainda careço que me sustentes o ar em desassossego.
Que me ampares nas emoções em desatino.
Que me acolhas na solidão do que ainda não aprendi a ser
Para ser de todo a poesia que me chama à vida...
Todas as noites, quero-te em beijo e pão.
Como a prenunciar-me a primavera que não tardará
A acometer-nos de girantes bailados de estrelas
Emergidas do teu cesto silvestre de amor.
Todas as noites quero-te entardecida em mim.
À espera do meu ser poente de grãos e fome.
Porque não há nada que mais desejo em mim
Senão amar-te assim estreitada de sonhos
Adornados em minha alma.

Poesia classificada em 3º Lugar no II Concurso Literário 

"Prêmio Valores da Nossa Gente".


Uma flauta e uma moça: simples personagens 

da Praça do Povo

Denise Andrade Alvarenga


Avenida Getúlio Vargas, palcos de grandes personagens!

Dos famosos aos mais anônimos.

Personagens esses que se escondem, que se revelam ou que se sentem superiores.

Entre tantas montanhas e escadarias, vê-se a Praça do Povo, de onde se ouve, ao longe uma música.

Uma música de uma nota só...

Bem mais possante que se comparada aos ruídos dos veículos e com a habilidade de um  cantor soprano, com capacidade suficiente de entorpecer pássaros e enlouquecer os homens.

Quem passa por lá pode vê-las: a moça e a flauta-doce da moça. Com seus lábios grudados naquela flauta, a moça traduz o que um ser humano é capaz de revelar com talento e simplicidade.

A moça muda da Praça do Povo, tocando sua música de uma nota só, merece respeito, uma salva de palmas, e mais: um ramalhete de rosas vermelhinhas simbolizando a sua presença, essencial e permanente, naquele local.

Ela, a moça, mostra sua arte no som da flauta, porque lhe falta...a voz!

Não fala através de palavras, porém, o instrumento musical por ela adotado, lhe oferece a participação num mundo barulhento e, que exprime sons diversos, desde o choro de uma criança até as palavras sábias de um mestre!

Personagens (flauta e moça) que, aos olhos frios são invisíveis, porém, naqueles que percebem beija-flores e borboletas, imprescindíveis seres no cenário da Praça...

Ouça o som da flauta e repare como a moça fala através dela!

Depois, pergunte-se:

_O que significa uma flauta doce atuante, presa à boca de uma moça muda?

Talvez seja uma cena enviada pelos anjos, aos homens, de que é necessário reconhecer que a vida é para ser ouvida, mesmo que seja ouvida através de uma música de uma nota só; manuseada por uma moça que anseia falar com palavras, mas, já entende o mundo dos sons, dos mansos e dos aflitos...
Esse mundo que permite ensurdecer os indiferentes com sua flauta-doce, instrumento por ela eleito para derrubar o seu silêncio e a omissão de sua voz!





quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Crônica classificada em 1º Lugar no II Concurso Literário 
"Prêmio Valores da Nossa Gente".




“Era dia quando a noite me pegou de surpresa”
                                 Marcelo Manuel de Melo

Nem havia ainda chegado o dia de vir ao mundo. Mas dentro de um ventre estava inquieto, como se querendo romper as barreiras naturais do parto e surgir em dias. Mas a calma de minha mãe era paciente e sua barriga crescia, como qualquer negra ou branca, prenha. E surgia na casa de alpendre vermelho, de azul nas janelas, mais um arrebento cujo cordão era cortado pela parteira, que subia do Areia Preta até a velha Vila Tanque. Comunhões eram oficializadas e se tornavam sagradas.

E era manhã quando, pela primeira vez, entrei em uma lotação que descia a Contorno, cujo ponto era um pedaço de madeira, com letras verticais onde se lia “Ponto”. Nem conhecia bem as palavras! E, de mãos dadas com minha mãe, sempre paciente, descíamos para a feira, atrás do Geo, de frente para o seu morro. Afinal, tratavam-no como “Morro do Geo”. Era o proprietário. Vislumbrei-me com aquela correria, desde a subida, como se estivesse entrando em terras estranhas. Uma rua funcionava um enorme mercado. Novo para entender aquilo tudo, minha mãe relatava a sua história e contava os causos dos personagens daquele enorme conglomerado de gente. E de cada porta por onde entravam e saiam tantas pessoas... Cresci com aquilo ao meu redor. E vivi cada manhã, semanalmente, desde a lotação que passava em frente à minha casa de alpendre vermelhão, subindo os degraus do coletivo – já sem as mãos dadas com minha mãe – até descer no “Ponto” da Leiteria.

Chegava e já era dia. Entrava por aquele imenso mercado. Quase todos caminhavam pela rua de calçamento. O passeio era pouco usado. Também trânsito ali era coisa que não preocupava muito. Podíamos atravessar sem muita pressa e sem medo, da Farmácia de Seu Juventino Caldeira até o outro lado, na Cobal. Bom parar ali e prosear com ele, o farmacêutico/político. Sempre sorridente. E o “Sô” José Braz, da famosa Casa Braz. Ou ainda a Casas Maluf, da simpática Dona Farid. Tudo levava o nome de “Casa”, ou o singular no plural, como a Casas Jaime. Ah, e as Casas Lotéricas, do JG. Para um pouco variar, o Bar Primavera. Mas nada que fugisse à regra. Afinal ainda faziam parte do Complexo a Casa do Pescador e a Casa do “João Gordo”. Será que era falta de criatividade ou costume mesmo? Uma cidade começando a surgir dentro das montanhas de Minas e sua pacata Vila Operária “quanto mais simples, melhor”... Talvez explicasse tantos homônimos.
Havia ainda o “andar de cima”, da Granja e da Delegacia de Polícia. E sempre alerta o Soldado Paixão. Tudo mágico, como o caixeiro viajante que ficava na entrada, à entrada do Mercado. Pertinho dali um artista, o “anfitrião” da praça, Seu Enéias, vendedor de amendoins, que atraia os fregueses tocando a sua flauta transversal, doce, como fazendo poesia. Negro, altivo e bonito. Simples.

Praça do Mercado, o meu caminho desde os tempos das matinês no Cine Monlevade. Domingos, às 10 da manhã, assistindo o mascarado Zorro e à “dupla dinâmica”, Batman e Robin. Nem imaginávamos, em nossa infância e ingenuidade, que ali já se prenunciava uma relação entre pessoas do mesmo sexo. E nem que o simples ato de levar pipoca para dentro do escuro do cinema já fazia parte de outro enredo. Duca Pinduca, o “ladrão de açúcar”. Geraldo moleza conduzindo sua lotação, que saia da praça – em frente à Assistência Médica -, até a velha Vila. Entre a arquitetura em estilo neo-clássico. Do banheiro público à farmácia de Seu Vicente. E as ruas brotadas pelas origens indígenas da Tupis, Tabajaras, Guaranis... E a Cidade-Alta!
Mas eis que o dia desaparece e a noite me pega de surpresa. Os anos 1980 ficariam marcados para sempre como a “Década da Destruição”. Do Grêmio ao Ideal dos ideais progressistas. Do União Operário e do Bar do Bené, do Bar de Seu Simões e do Bar Para Todos. Pois todos éramos nós, que perderíamos a nossa identidade e a nossa cidadania como cidadãos de uma cidade.

E também a minha mãe, Dona Geralda, que viajou e se juntou às estrelas. Mas deixou como herança a sua sabedoria e a sua força. E a sua fé. Entre a Praça do Mercado até o Morro do Geo. Parada na Praça do Cinema, quase em frente à Portaria-1 da usina da Belgo-Mineira. Tudo sucumbiu. E sem projetos, perdemos a ilusão do exemplo da Ave Fênix. Pois nada ressurgirá das cinzas.
















Crônica classificada em 2º Lugar no II concurso Literário "Prêmio Valores da Nossa Gente"


Grilos Monlevadenses 
Adriana Cristina Freitas




O ano era 1996. O Brasil ganhara a copa do mundo. João Monlevade também comemorava, afinal, é brasileira também. Até as calcinhas das adolescentes era verde-amarela. Confetes feitos especialmente para a comemoração; alegria, buzinaço. Malba andava pelas ruas, após o show do 14 Bis sob um sereno fino que começara molhando seu rosto e os olhos, bem geladinho; todavia ela não estava nem aí, tomara ficasse bem doente para alguém se importar com ela. Cansara de tudo e de todos. Ouvia uns rasgos de vozes aqui e ali, uns risos, uns sons mais abafados, outros mais audíveis... idosos de olhos tristes, jogando damas na praça do Ponto Fiscal.
_Ei Malba! Que você está fazendo toda distraída, menina!
Era uma amiga, da época do EMIP. Cabelos pintados de rubro, nas unhas, esmalte cor do carvão, agora curtíssimas, mas já foram imensas, numa época em que cismavam ser diferentes. Dez anos passaram-se, hoje, pelo contrário, todos parecem ser iguais: os mesmos carros, celulares, Ipad. Ela prezava a liberdade às próprias opiniões, e seus discos, avessa a modismos. Detestava clichês e enquanto todos dormiam, ela sentava para olhar as estrelas. De tudo o mais, o que Malba tinha era uma sede de viver, uma eterna fome do novo. Putz! Qual o problema querer dar um basta nos pensamentos pessimistas e ser feliz de vez em quando?
_ Eu? Nada.
_ Você vai ficar encharcada, eu, heim, parece doida. Não trouxe sombrinha?
Devia ter dito louca, você parece uma lagarta listrada.
_ Não. Depois que perdi três, não carrego mais.
Não estava a fim de comemorar nada; a perda da inocência, o antagonismo senil numa cabeça de 20 anos. Insanidade porque sonha e não gosta de fofocar; faz sim de vez em quando um comentário irônico, que choca. Curte MPB, conversa com o gafanhoto verde que pousa na janela e tem uma bruta vontade de escrever quando lê Lygia. Outra atitude que contrastava com a amiga, que odiava ler. Tinha de sede de mergulhar naquelas paisagens de Londres, bebericando um chá com Hercule Poirot. Nas montanhas italianas, desertos tuaregues, no Morro do Livramento de Machado de Assis, no enclausuramento das mulheres dos anos 20, nas memórias dos tropeiros que circundavam os rios Piracicaba e Santa Bárbara, nas aventuras do desconhecido, que causavam nela uma ânsia, um desejo extasiado de viajar e conhecer tantas excentricidades, comprovar tantas belezas.
Os anos 90, mais e mais, pareciam marcados por um falso livre-arbítrio para seres incompletos, fadados à exérese do descontente, do aparente, do rótulo. Principalmente da cerveja. Nunca vira tantas mesas com bêbados. E o casaco do bichinho verde, cai, revelando um esqueleto patético, frágil. E este mesmo bichinho não tem fuga. A folha que o disfarçara, é pequena e não se confunde mais com suas asas, ele não as têm mais. Vive casmurro no buraco escuro.
O bichinho acorda de repente e se fantasia de palco, de luz, de música. Parece que ainda há poesia no ar, pois, Malba olha o horizonte que por vezes a vira crescer. Carregando uma pesada mochila, vindo da escola, com trezentos livros didáticos não-consumíveis, cujo conteúdo não estudara nem a metade, caminhando na rodovia, travestida de menino, para que os caminhoneiros não oferecessem carona. Andar um quilômetro, caminho sem fim.
Ela está sorrindo para a amiga; o horizonte revela a metamorfose do antigo colégio Israel Pinheiro, ele é hoje a Universidade Federal de Ouro Preto: mudou de endereço. Nele, passara bons momentos na recém-inaugurada piscina. Tantos amigos-ocultos nos finais de ano, recebendo discos de presente, como Rita Lee, Bossa in Roll, num bolachão, guardado com carinho até ontem, pois hoje pode mudar de idéia e desfazer-se deles. O disco empenou, as ruas mudaram e as pessoas também. O legado da cidade que acordou metrópole.
Mas é aqui que fica o coração.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Crônica classificada em 3º Lugar no II Concurso Literário
"Prêmio Valores da Nossa Gente"

Pagamento na floresta
Maria do Rosário Pontes Figueiredo

         Estava muito escuro e havia um barulho estridente de cigarras cantando por todos os lados e eu não conseguia entender o que estava se passando naquele momento.
           Ao meu redor, uma verdadeira floresta e, no entanto, eu estava dentro de um caixa de banco, com todos os componentes para fazer um atendimento.
          A fila estava quilométrica, chegando a me deixar apavorada, e mesmo que eu não parasse de atender às pessoas, a fila não diminuía nunca.
          De repente ouvi um rugido, parecido como o de uma onça, e quase morri de susto, pois havia um leão a poucos metros de distância.
           Às vezes, tudo parecia normal e eu podia identificar a agência bancária, que ficava no “Zebrão”, onde eu trabalhava naquela época, em meados dos anos “90”.
           Nessa época, ainda não havia muita informatização, e não contávamos com a ajuda de computadores, sendo usadas antigas máquinas de somar e de autenticar.
            O movimento bancário era enorme porque na “C.S.B.M.” antiga Belgo e atual “Arcelor-Mittal”, havia muito mais funcionários e o pagamento deles era feito em dois dias, divididos pelos números das suas chapas.
            Mesmo quando tudo estava tranqüilo, e os pagamentos aconteciam normalmente, o cenário mudava um pouco e aparecia algo que não era normal para aquele ambiente.
             Um novo rugido se fez e dessa vez foi muito mais assustador.
        Todo mundo começou a correr e, mesmo no sufoco, consegui identificar alguns clientes, e o mais engraçado era que, de alguns deles eu me lembrava até do número da conta corrente.
             Uma enorme labareda apareceu bem na minha frente e percebi que a floresta inteira estava fumegante. 
            Animais corriam apavorados e pessoas também, mas mesmo assim os clientes que estavam chegando ao caixa, reclamavam que não tinham recebido e que era para eu passar o dinheiro pra eles assim mesmo, porque ainda dava tempo de correr.
           De repente houve uma explosão e tudo voou pelos ares, inclusive todo o dinheiro que estava naquele caixa.
             Escutei um barulho, parecido com uma sirene, e sai correndo.
             Foi aí que eu percebi que o meu despertador estava tocando e que estava amanhecendo.
            Só então me dei conta de que era mais um dia “11” em minha vida e que estava na hora de acordar para ir trabalhar no “Banco Real”, em mais um dia de pagamento da C.S.B.M.
            É lógico que essa agência bancária ficava no vestiário da companhia, mais conhecido como “Zebrão” e não em uma floresta em chamas.
            Este dia terminou sendo muito divertido, porque enquanto eu atendia os clientes do banco, lembrava-me do “sonho” que tive à noite e ria sozinha, causando curiosidade em algumas pessoas.
          Uma amiga comentou que estava exausta e que parecia estar em uma selva, sendo perseguida por animais, porque as suas pernas estavam doendo de tanto ficar em pé.
Aí sim eu comecei a rir sem parar e alguns funcionários, vestidos com os seus uniformes, olhavam para mim e, no mínimo pensavam: Essa menina deve ser maluca.
Maluco foi eu ter que trabalhar duro no sonho e logo que amanheceu, ter que vir trabalhar de novo!