Crônica classificada em 2º Lugar no II concurso Literário "Prêmio Valores da Nossa Gente"
Grilos Monlevadenses
Adriana Cristina Freitas
O
ano era 1996. O Brasil ganhara a copa do mundo. João Monlevade também
comemorava, afinal, é brasileira também. Até as calcinhas das adolescentes era
verde-amarela. Confetes feitos especialmente para a comemoração; alegria,
buzinaço. Malba andava pelas ruas, após o show do 14 Bis sob um sereno fino que
começara molhando seu rosto e os olhos, bem geladinho; todavia ela não estava
nem aí, tomara ficasse bem doente para alguém se importar com ela. Cansara de
tudo e de todos. Ouvia uns rasgos de vozes aqui e ali, uns risos, uns sons mais
abafados, outros mais audíveis... idosos de olhos tristes, jogando damas na
praça do Ponto Fiscal.
_Ei Malba! Que você está fazendo toda distraída, menina!
Era
uma amiga, da época do EMIP. Cabelos pintados de rubro, nas unhas, esmalte cor
do carvão, agora curtíssimas, mas já foram imensas, numa época em que cismavam
ser diferentes. Dez anos passaram-se, hoje, pelo contrário, todos parecem ser
iguais: os mesmos carros, celulares, Ipad. Ela prezava a liberdade às próprias
opiniões, e seus discos, avessa a modismos. Detestava clichês e enquanto todos
dormiam, ela sentava para olhar as estrelas. De tudo o mais, o que Malba tinha
era uma sede de viver, uma eterna fome do novo. Putz! Qual o problema querer dar
um basta nos pensamentos pessimistas e ser feliz de vez em quando?
_ Eu? Nada.
_ Você vai ficar encharcada, eu, heim, parece doida. Não trouxe
sombrinha?
Devia ter dito louca, você parece uma lagarta listrada.
_ Não. Depois que perdi três, não carrego mais.
Não
estava a fim de comemorar nada; a perda da inocência, o antagonismo senil numa
cabeça de 20 anos. Insanidade porque sonha e não gosta de fofocar; faz sim de
vez em quando um comentário irônico, que choca. Curte MPB, conversa com o
gafanhoto verde que pousa na janela e tem uma bruta vontade de escrever quando lê Lygia. Outra atitude
que contrastava com a amiga, que odiava ler. Tinha de sede de mergulhar
naquelas paisagens de Londres, bebericando um chá com Hercule Poirot. Nas
montanhas italianas, desertos tuaregues, no Morro do Livramento de Machado de
Assis, no enclausuramento das mulheres dos anos 20, nas memórias dos tropeiros
que circundavam os rios Piracicaba e Santa Bárbara, nas aventuras do
desconhecido, que causavam nela uma ânsia, um desejo extasiado de viajar e
conhecer tantas excentricidades, comprovar tantas belezas.
Os
anos 90, mais e mais, pareciam marcados por um falso livre-arbítrio para seres
incompletos, fadados à exérese do descontente, do aparente, do rótulo.
Principalmente da cerveja. Nunca vira tantas mesas com bêbados. E o casaco do
bichinho verde, cai, revelando um esqueleto patético, frágil. E este mesmo
bichinho não tem fuga. A folha que o disfarçara, é pequena e não se confunde
mais com suas asas, ele não as têm mais. Vive casmurro no buraco escuro.
O
bichinho acorda de repente e se fantasia de palco, de luz, de música. Parece
que ainda há poesia no ar, pois, Malba olha o horizonte que por vezes a vira
crescer. Carregando uma pesada mochila, vindo da escola, com trezentos livros didáticos
não-consumíveis, cujo conteúdo não estudara nem a metade, caminhando na
rodovia, travestida de menino, para que os caminhoneiros não oferecessem
carona. Andar um quilômetro, caminho sem fim.
Ela
está sorrindo para a amiga; o horizonte revela a metamorfose do antigo colégio
Israel Pinheiro, ele é hoje a Universidade Federal de Ouro Preto: mudou de
endereço. Nele, passara bons momentos na recém-inaugurada piscina. Tantos
amigos-ocultos nos finais de ano, recebendo discos de presente, como Rita
Lee, Bossa in Roll, num
bolachão, guardado com carinho até ontem, pois hoje pode mudar de idéia e
desfazer-se deles. O disco empenou, as ruas mudaram e as pessoas também. O
legado da cidade que acordou metrópole.
Mas
é aqui que fica o coração.
Nenhum comentário:
Postar um comentário