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quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Crônica classificada em 2º Lugar no II concurso Literário "Prêmio Valores da Nossa Gente"


Grilos Monlevadenses 
Adriana Cristina Freitas




O ano era 1996. O Brasil ganhara a copa do mundo. João Monlevade também comemorava, afinal, é brasileira também. Até as calcinhas das adolescentes era verde-amarela. Confetes feitos especialmente para a comemoração; alegria, buzinaço. Malba andava pelas ruas, após o show do 14 Bis sob um sereno fino que começara molhando seu rosto e os olhos, bem geladinho; todavia ela não estava nem aí, tomara ficasse bem doente para alguém se importar com ela. Cansara de tudo e de todos. Ouvia uns rasgos de vozes aqui e ali, uns risos, uns sons mais abafados, outros mais audíveis... idosos de olhos tristes, jogando damas na praça do Ponto Fiscal.
_Ei Malba! Que você está fazendo toda distraída, menina!
Era uma amiga, da época do EMIP. Cabelos pintados de rubro, nas unhas, esmalte cor do carvão, agora curtíssimas, mas já foram imensas, numa época em que cismavam ser diferentes. Dez anos passaram-se, hoje, pelo contrário, todos parecem ser iguais: os mesmos carros, celulares, Ipad. Ela prezava a liberdade às próprias opiniões, e seus discos, avessa a modismos. Detestava clichês e enquanto todos dormiam, ela sentava para olhar as estrelas. De tudo o mais, o que Malba tinha era uma sede de viver, uma eterna fome do novo. Putz! Qual o problema querer dar um basta nos pensamentos pessimistas e ser feliz de vez em quando?
_ Eu? Nada.
_ Você vai ficar encharcada, eu, heim, parece doida. Não trouxe sombrinha?
Devia ter dito louca, você parece uma lagarta listrada.
_ Não. Depois que perdi três, não carrego mais.
Não estava a fim de comemorar nada; a perda da inocência, o antagonismo senil numa cabeça de 20 anos. Insanidade porque sonha e não gosta de fofocar; faz sim de vez em quando um comentário irônico, que choca. Curte MPB, conversa com o gafanhoto verde que pousa na janela e tem uma bruta vontade de escrever quando lê Lygia. Outra atitude que contrastava com a amiga, que odiava ler. Tinha de sede de mergulhar naquelas paisagens de Londres, bebericando um chá com Hercule Poirot. Nas montanhas italianas, desertos tuaregues, no Morro do Livramento de Machado de Assis, no enclausuramento das mulheres dos anos 20, nas memórias dos tropeiros que circundavam os rios Piracicaba e Santa Bárbara, nas aventuras do desconhecido, que causavam nela uma ânsia, um desejo extasiado de viajar e conhecer tantas excentricidades, comprovar tantas belezas.
Os anos 90, mais e mais, pareciam marcados por um falso livre-arbítrio para seres incompletos, fadados à exérese do descontente, do aparente, do rótulo. Principalmente da cerveja. Nunca vira tantas mesas com bêbados. E o casaco do bichinho verde, cai, revelando um esqueleto patético, frágil. E este mesmo bichinho não tem fuga. A folha que o disfarçara, é pequena e não se confunde mais com suas asas, ele não as têm mais. Vive casmurro no buraco escuro.
O bichinho acorda de repente e se fantasia de palco, de luz, de música. Parece que ainda há poesia no ar, pois, Malba olha o horizonte que por vezes a vira crescer. Carregando uma pesada mochila, vindo da escola, com trezentos livros didáticos não-consumíveis, cujo conteúdo não estudara nem a metade, caminhando na rodovia, travestida de menino, para que os caminhoneiros não oferecessem carona. Andar um quilômetro, caminho sem fim.
Ela está sorrindo para a amiga; o horizonte revela a metamorfose do antigo colégio Israel Pinheiro, ele é hoje a Universidade Federal de Ouro Preto: mudou de endereço. Nele, passara bons momentos na recém-inaugurada piscina. Tantos amigos-ocultos nos finais de ano, recebendo discos de presente, como Rita Lee, Bossa in Roll, num bolachão, guardado com carinho até ontem, pois hoje pode mudar de idéia e desfazer-se deles. O disco empenou, as ruas mudaram e as pessoas também. O legado da cidade que acordou metrópole.
Mas é aqui que fica o coração.

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