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sexta-feira, 23 de dezembro de 2011


Poesia classificada em 1º Lugar no II Concurso Literário 
                      "Prêmio Valores da Nossa Gente".

 Como ler um rio dentro da cidade original
Geraldo Magela Ferreira


joão cabral de melo neto
Se tivesse visto o piracicaba
imaginaria "um cão sem plumas”?

  
todo rio faz
uma releitura
lenta
digestiva
das geografias
que assimila

nenhum rio escolhe uma cidade
elas se erguem
à revelia
invadem margens
violam a água

a cidade surgiu
do ferro e fogo
com esse rio
nas entranhas
serpente de fúria
e calmaria

durante as cheias
lambia casas
devorava incautos
depois acalmava-se
numa sonolenta
vigília surda

a calda do rio
como o corpo
dos homens
absorveu o aço
seus fluídos
seu ácido

as águas rubras
semimortas
não sentiram
o corpo urbano
indócil
expandir-se

na margem virtual
da cidade outra
lia-se o rio como morto
sem traduzir seus
ritos e tragédias
ou deduzir seu esgoto

mas o rio seguia
a sua escrita
selvagem
pouco denso
menos químico
mas indivisível

enquanto a memória
sonâmbula
esquecia o rio
emparedado
na releitura eterna
da cidade original.







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